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terça-feira, 4 de novembro de 2025

Notas do dia


Publicado por Raquel Varela no FB 

 Ainda sou do tempo em que grávidas com mais de 35 anos ou tensão alta eram acompanhadas na MAC, a partir das 36 semanas, eram-no semanalmente, tive várias amigas assim, nesse tempo a população a viver em Portugal era a mesma e o número de médicos também. Era o protocolo normal para salvar vidas. Agora, a grávida, se não tem dinheiro, vai ao centro de saúde, uma vez por mês, e se se sentir mal liga para uma empresa privada, a saúde 24, se estiver a morrer espera que chegue uma ambulância do INEM, que trabalha com metade dos efectivos.

O plano da Ministra e da AD é colocar o último prego no caixão do SNS. Está determinada. E não tem vergonha. Acaba com os tarefeiros (que não são solução para nada) sem ter alternativa, logo fecham mais urgências; corta no SNS o que se propõe transferir, aliás um pouco mais, para comprar material bélico à Alemanha; não propõe aumentos salariais com exclusividade opcional, obrigando os médicos de todas as áreas a serem tarefeiros de facto no privado, onde passam cada vez mais o dia; o pessoal de saúde não conhece os doentes, não os acompanha, não os olha muitas vezes; não se debate a gestão democrática, que nutre equipas, a investigação e a formação entre pares, independente das pressões das farmacêuticas; estimula-se a concorrência entre médicos e enfermeiros procurando desqualificar e desprofissionalizar o trabalho de ambos (apregoa-se justamente o contrário, para fazer entrar a IA), no fim de tudo isto se morre uma preta, pobre, burra (foi isto que a Ministra disse ao país) que vive lá na Amadora, qual a relevância? "Guerra sim, saúde não", é o gesto desta mulher, Ana Paula, a destemida.
Para quando a união entre sindicatos médicos, enfermeiros, técnicos por um SNS de salários muito bons, gestão democrática, equipas coesas, avaliação por qualidade inter pares, confiança entre pares? Nesse dia, já sabemos, e só nesse dia, se vai resolver a nossa saúde (e direito à vida). Mas nesse dia não ficará - voluntariamente - no privado porventura hoje nem um profissional de saúde, onde são proletários de uma empresa, dita hospital, cuja qualidade se mede pelo lucro que distribuem pelos accionistas. A violência ética desse exercício da medicina e do cuidado é brutal.
E isso é o que esta Ministra sabe, sabe que quem escolheu trabalhar na saúde quer curar, cuidar, tratar. É esse o sentido do seu trabalho e por isso estão em sofrimento ético - porque acabam por ser cúmplices com más práticas e auto-justificações que não acalmam as consciências mais exigentes. O sofrimento ético não é só fazer mal, é não contestar, daí vem a falta de alegria e paixão pelo trabalho. Se os salários fossem um pouco melhores no SNS e as relações entre pares de confiança, o SNS era o lugar onde queriam estar. Os profissionais de saúde estão reféns, reféns da sua própria ausência de organização, porque do brilhantismo da Ministra convenhamos, não é. É, pode-se dizer, uma tarefeira do mercado, abre caminhos para a remuneração dos accionistas donos de empresas-hospital. E fá-lo com desplante, treino mediático e sem receio.
A Ministra ameaça-nos, espalha por todos nós o medo, de ir ao hospital, de trabalhar no hospital. Enquanto acarinha e descansa as mentes dos subsídio dependentes - vulgo accionistas de hospitais privados ou "o mercado" -, que todos os dias vivem sem trabalhar, olhando a descida e subida das bolsas e explicando-nos que vêm lá os russos, há que cortar no Estado Social.

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