Publicado por Raquel Varela no FB
Ainda sou do tempo em que grávidas com mais de 35 anos ou tensão alta eram acompanhadas na MAC, a partir das 36 semanas, eram-no semanalmente, tive várias amigas assim, nesse tempo a população a viver em Portugal era a mesma e o número de médicos também. Era o protocolo normal para salvar vidas. Agora, a grávida, se não tem dinheiro, vai ao centro de saúde, uma vez por mês, e se se sentir mal liga para uma empresa privada, a saúde 24, se estiver a morrer espera que chegue uma ambulância do INEM, que trabalha com metade dos efectivos.
O plano da Ministra e da AD é colocar o último prego no caixão do SNS. Está determinada. E não tem vergonha. Acaba com os tarefeiros (que não são solução para nada) sem ter alternativa, logo fecham mais urgências; corta no SNS o que se propõe transferir, aliás um pouco mais, para comprar material bélico à Alemanha; não propõe aumentos salariais com exclusividade opcional, obrigando os médicos de todas as áreas a serem tarefeiros de facto no privado, onde passam cada vez mais o dia; o pessoal de saúde não conhece os doentes, não os acompanha, não os olha muitas vezes; não se debate a gestão democrática, que nutre equipas, a investigação e a formação entre pares, independente das pressões das farmacêuticas; estimula-se a concorrência entre médicos e enfermeiros procurando desqualificar e desprofissionalizar o trabalho de ambos (apregoa-se justamente o contrário, para fazer entrar a IA), no fim de tudo isto se morre uma preta, pobre, burra (foi isto que a Ministra disse ao país) que vive lá na Amadora, qual a relevância? "Guerra sim, saúde não", é o gesto desta mulher, Ana Paula, a destemida.
Para quando a união entre sindicatos médicos, enfermeiros, técnicos por um SNS de salários muito bons, gestão democrática, equipas coesas, avaliação por qualidade inter pares, confiança entre pares? Nesse dia, já sabemos, e só nesse dia, se vai resolver a nossa saúde (e direito à vida). Mas nesse dia não ficará - voluntariamente - no privado porventura hoje nem um profissional de saúde, onde são proletários de uma empresa, dita hospital, cuja qualidade se mede pelo lucro que distribuem pelos accionistas. A violência ética desse exercício da medicina e do cuidado é brutal.
E isso é o que esta Ministra sabe, sabe que quem escolheu trabalhar na saúde quer curar, cuidar, tratar. É esse o sentido do seu trabalho e por isso estão em sofrimento ético - porque acabam por ser cúmplices com más práticas e auto-justificações que não acalmam as consciências mais exigentes. O sofrimento ético não é só fazer mal, é não contestar, daí vem a falta de alegria e paixão pelo trabalho. Se os salários fossem um pouco melhores no SNS e as relações entre pares de confiança, o SNS era o lugar onde queriam estar. Os profissionais de saúde estão reféns, reféns da sua própria ausência de organização, porque do brilhantismo da Ministra convenhamos, não é. É, pode-se dizer, uma tarefeira do mercado, abre caminhos para a remuneração dos accionistas donos de empresas-hospital. E fá-lo com desplante, treino mediático e sem receio.
A Ministra ameaça-nos, espalha por todos nós o medo, de ir ao hospital, de trabalhar no hospital. Enquanto acarinha e descansa as mentes dos subsídio dependentes - vulgo accionistas de hospitais privados ou "o mercado" -, que todos os dias vivem sem trabalhar, olhando a descida e subida das bolsas e explicando-nos que vêm lá os russos, há que cortar no Estado Social.
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